
Parte II - Os antecedentes
Portugal não acompanhou o movimento de criação de especializadas instituições bancárias que se verificou nas principais praças comerciais europeias, podendo-se considerar tardios os esforços que apenas tiveram a sua efetiva concretização em dois momentos com especial significado político: em outubro de 1808, com a criação do Banco do Brasil (na sequência da transferência do rei e sua corte de Lisboa para o Rio de Janeiro, no contexto das guerras Napoleónicas), e em dezembro de 1821, quando foi finalmente instituído o primeiro banco português, o Banco de Lisboa.
Gravura de P. G. Bertichem, 1856
O contexto dos movimentos revolucionários de 1820 veio estimular o debate público através não só dos debates parlamentares, mas também da imprensa, através da publicação de ideias e memórias em forma de panfletos. A exigência pela criação de um banco nacional, que viesse a solucionar o problema da consolidação da dívida pública e amortização do papel-moeda foi um tema presente nesses meios de apresentação pública de ideias, tendo sido apresentados às cortes vários planos nesse sentido.
Plano para a ereção de um banco real em Lisboa
Arquivo Histórico do Banco de Portugal

De entre algumas personalidades que se debruçaram sobre a solução para esta questão, destaca-se D. Rodrigo de Sousa Coutinho, futuro Conde de Linhares, Presidente do Real Erário, que defendeu, em memórias e nos relatórios da situação financeira do Estado, a ideia de se diminuir o volume de papel-moeda, convertendo-o em dívida consolidada, constituída por apólices, que davam aos credores mais garantias, e ao Estado uma mais capaz regularização da dívida pública. Como base para sustentar este processo, defendia D. Rodrigo de Sousa Coutinho a criação de um Banco, constituído e administrado por acionistas, que funcionaria como financiador do Estado.

D. Rodrigo de Souza Coutinho
Rodrigo de Souza Coutinho, Conde de Linhares, Ministro dos Negócios Estrangeiros e da Guerra e Conselheiro de Estado e Presidente do Real Erário. Nesta última função defendeu, desde 1798, a consolidação do volume de papel-moeda, num plano que passava pela criação de um banco.
Gravura de José Maria Caggiani
Biblioteca Nacional de Portugal
O Banco do Brasil
Assente nas ideias promulgadas por D. Rodrigo de Sousa Coutinho, o Banco do Brasil foi fundado em 1808. Apesar de ser na prática o primeiro banco português, teve a sua atividade limitada ao Brasil, onde estava na altura sediada a corte portuguesa. Teve como principal papel a realização de empréstimos ao governo, tanto ao português, como ao brasileiro, após a independência do Brasil.
O Banco do Brasil iniciou as suas emissões de notas em 1810, colocando em circulação um leque alargado de denominações que iam dos 4000 aos 400 000 réis. No entanto, as emissões cresceram descontroladamente e o Banco não efetuou quaisquer amortizações entre 1814 e 1820. A rápida multiplicação do stock de papel-moeda em circulação durante este período — mais de 8 vezes — contribuiu para a descredibilização da entidade.
Museu do Dinheiro

A primeira metade do século XIX foi marcada pela estagnação da economia portuguesa, fortemente motivada primeiro pelas guerras peninsulares e depois pela guerra civil. Com uma população a crescer lentamente dos cerca de 3,2 milhões para cerca de 3,9 milhões durante esse período, Portugal viu o valor das suas exportações a reduzir para metade dos valores do início do século. A guerra civil e a instabilidade de aparelho de Estado significaram um aumento das despesas com as operações militares, e uma redução das receitas pelas dificuldades de cobrança. A esta situação o projeto progressista liberal apresentava a solução de uma reforma da administração pública, do sistema judicial, do regime de propriedade, e num projeto de crescimento económico assente em parte na reforma do aparelho fiscal e alívio da burguesia.
Apólices pequenas do Real Erário, emissões de 1805-1807
As apólices pequenas do Erário Régio eram um misto de instrumento de dívida e meio de pagamento. Venciam um juro anual de 6% e tinham curso forçado, devendo ser aceites em metade do valor de todos os pagamentos. As últimas emissões, realizadas em 1805 e 1807, contemplavam apenas os valores nominais de 1200 e 2400 réis e já não venciam juros, tornando-se numa forma de papel-moeda totalmente fiduciária.
Nas vésperas da criação do Banco de Lisboa, permaneciam em circulação mais de 10 300 milhões de réis em apólices inconvertíveis. A amortização destes títulos foi um processo complexo que demorou décadas e teve no Banco de Lisboa um dos seus principais agentes.
Museu do Dinheiro



O curso forçado, a inconvertibilidade e a proliferação das emissões minaram a confiança do público nas apólices pequenas do Erário Régio. Em resultado, os títulos começaram a ser negociados a desconto (rebate), que em fases de maior perturbação ultrapassava os 30% e chegou mesmo a atingir os 40% em junho de 1808, no contexto da Primeira Invasão Francesa.
Esta tabuada não era pioneira, mas era muito prática. O utilizador poderia verificar facilmente o resultado líquido de uma operação de desconto com taxas entre os 10 e os 20% para todas as denominações emitidas e ainda alguns valores intermédios. Nesse ano, as taxas efetivas de desconto situaram-se entre os 15,5% e os 18%.
Biblioteca do Banco de Portugal


A amortização das emissões massivas de papel-moeda tornou-se uma prioridade nacional. Na tradição dos arbítrios e alvitres dos séculos XVII e XVIII, António Pinto, corregedor de Portalegre, foi um dos que dirigiu às Cortes saídas da Revolução de 1820 diversas propostas para a resolução do problema. As sugestões incluíam a criação ou reforma de impostos sobre o rendimento, o consumo e as importações, a racionalização da fiscalidade existente, a emissão de dívida admissível na aquisição de bens nacionais e ainda instrumentos como as lotarias e as tontinas.
Biblioteca do Banco de Portugal



A fundação
Animados por um amplo consenso sobre a imprescindibilidade de um banco público nacional, os deputados às Cortes Constituintes iniciaram a 13 de dezembro de 1821 a discussão sobre a proposta de criação do banco que viria a adotar a designação de Banco de Lisboa.